domingo, 9 de outubro de 2011

O SORRISO..




Sorriso, diz-me aqui o dicionário, é o acto de sorrir. E sorrir é rir sem fazer ruído e executando contracção muscular da boca e dos olhos.

O sorriso, meus amigos, é muito mais do que estas pobres definições, e eu pasmo ao imaginar o autor do dicionário no acto de escrever o seu verbete, assim a frio, como se nunca tivesse sorrido na vida. Por aqui se vê até que ponto o que as pessoas fazem pode diferir do que dizem. Caio em completo devaneio e ponho-me a sonhar um dicionário que desse precisamente, exactamente, o sentido das palavras e transformasse em fio-de-prumo a rede em que, na prática de todos os dias, elas nos envolvem.

Não há dois sorrisos iguais. Temos o sorriso de troça, o sorriso superior e o seu contrário humilde, o de ternura, o de cepticismo, o amargo e o irónico, o sorriso de esperança, o de condescendência, o deslumbrado, o de embaraço, e (por que não?) o de quem morre. E há muitos mais. Mas nenhum deles é o Sorriso.

O Sorriso (este,com maiúsculas) vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda,não tem nada que ver com as contracções musculares e não cabe numa definição de dicionário.
Principia por um leve mover de rosto,às vezes hesitante,por um frémito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser.
Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se.Mas não terá? Não conhecemos nós sorrisos que são rápidos clarões,como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas?
Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso.


(José Saramago

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