sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

...LIXO....








Encontram-se na área de serviço.
Cada um com o seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia .
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612.
- Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente...
- Pois é ... - Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo ...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah ...
- Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena ...
- Na verdade sou só eu.
- Humm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar .
- Entendo.
- A senhora também .
- Me chama de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim.
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas como moro sozinha, às vezes sobra .
- A senhora ... Você não tem família?
- Tenho, mas não aqui.
- No Espírito Santo.
- Como é que você sabe?
- Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
- É. Mamãe escreve todas as semanas.
- Ela é professora?
- Isso é incrível! Como você adivinhou?
- Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
- O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
- Pois é ....
- No outro dia, tinha um envelope de telegrama amassado.
- É.
- Más notícias?
- Meu pai. Morreu.
- Sinto muito.
- Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
- Foi por isso que você recomeçou a fumar?
- Como é que você sabe?
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Eu, graças a Deus, nunca fumei.
- Eu sei, mas tenho visto uns vidrinhos de comprimidos no seu lixo ...
- Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
- Você brigou com o namorado, certo?
- Isso você também descobriu no lixo?
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- É, chorei bastante, mas já passou.
- Mas hoje ainda tem uns lencinhos .
- É que estou com um pouco de coriza.
- Ah.
- Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Eu estava limpando umas gavetas. Coisa
antiga.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Você está analisando o meu lixo!
- Não posso negar que o seu lixo me interessou.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo,decidi que gostaria de conhecê-la . Acho que foi a poesia.
- Não! Você viu meus poemas?
- Vi e gostei muito.
- Mas são muito ruins!
- Se você achasse eles ruins mesmos, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Se eu soubesse que você ia ler ...
- Só não fiquei com ele porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Acho que não. Lixo é domínio público.
- Você tem razão. Através dos lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário.
É a nossa parte mais social. Será isso?
- Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que .
- Ontem, no seu lixo .
- O quê?
- Me enganei, ou eram cascas de camarão?
- Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
- Eu adoro camarão.
- Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode ... Jantar juntos?
- É. Não quero dar trabalho.
- Trabalho nenhum.
- Vai sujar a sua cozinha.
- Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.
- No seu lixo ou no meu...

autor:Luis Fernando Veríssimo




quinta-feira, 22 de dezembro de 2011







Não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedras nessa fantasia!
Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa e me tornei rapaz,
sem esquecer no entanto o que passou.
Fiz-lhe bilhete pedindo um presente,
a noite inteira eu esperei contente,
chegou o sol e você não chegou.
Dias depois, meu pobre pai cansado
trouxe um trenzinho velho, empoeirado,
que me entregou com certa hesitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
"É pra você... Papai Noel mandou..."
E se esquivou contendo a emoção.
Alegre e inocente nesse caso,
pensei que meu bilhete com atraso
chegara às suas mãos no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda, ele partiu,
deu muitas voltas, meu pai sorriu
e me abraçou pela última vez.
O resto só eu pude compreender
quando cresci e comecei a ver
todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a medo:
"Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro na cidade".
Dei-lhe o trenzinho quase a soluçar,
e como quem não quer abandonar
um mimo que lhe deu quem lhe quer bem,
disse medroso: "Eu só queria ele...
Não quero outro brinquedo, quero aquele
E por favor, não vá levar meu trem".
Meu pai calou-se e pelo rosto veio
descendo um pranto que eu ainda creio,
tão puro e santo, só Jesus chorou.
Bateu a porta com muito ruído,
mamãe gritou, ele não deu ouvidos,
saiu correndo e nunca mais voltou.
Você, Papai Noel, me transformou
num homem que a infância arruinou,
Sem pai e sem brinquedos. Afinal,
dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal!
Meu pobre pai doente, mal vestido,
pra não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão:
num gesto nobre, humano, decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.
Pensei que viajara. No entanto
depois de grande, minha mãe, em pranto,
contou que fora preso. E como réu,
ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus um dia
entrou na cela e o libertou pro céu!
"Texto de Aldemar Paiva"

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

FAZ DE CONTA







Faz de conta...

Não respondo teus e-mails, e quando respondo sou ríspido, distante, mantenho-me alheio: FAZ DE CONTA QUE EU TE ODEIO

Te encho de palavras carinhosas, não economizo elogios, me surpreendo de tanto afeto que consigo inventar, sou uma atriz, sou do ramo: FAZ DE CONTA QUE EU TE AMO.

Estou sempre olhando pro relógio, sempre enaltecendo os planos que eu tinha e que os outros boicotaram, sempre reclamando que os outros fazem tudo errado: FAZ DE CONTA QUE EU DOU CONTA DO RECADO.

Debocho de festas e de roupas glamurosas, não entendo como é que alguém consegue dormir tarde todas as noites, convidados permanentes para baladas na área vip do inferno: FAZ DE CONTA QUE EU NÃO QUERO.

Choro ao assistir o telejornal, lamento a dor dos outros e passo noites em claro tentando entender corrupções, descasos, tudo o que demonstra o quanto foi desperdiçado meu voto:FAZ DE CONTA QUE EU ME IMPORTO.

Digo que perdôo, ofereço cafezinho, lembro dos bons momentos, digo que os ruins ficaram no passado, que já não lembro de nada, pessoas maduras sabem que toda mágoa é peso morto: FAZ DE CONTA QUE EU NÃO SOFRO.

Cito Aristóteles e Platão, aplaudo ferros retorcidos em galerias de arte, leio poesia concreta, compro telas abstratas, fico fascinada com um arranjo techno para uma música clássica e assisto sem legenda o mais recente filme romeno: FAZ DE CONTA QUE EU ENTENDO.

Tenho todos os ingredientes para um sanduíche inesquecível, a porta da geladeira está lotada de imãs de tele-entrega, mantenho um bar razoavelmente abastecido, um pouco de sal e pimenta na despensa e o fogão tem oito anos mas parece zerinho: FAZ DE CONTA QUE EU COZINHO.

Bem-vindo à Disney, o mundo da fantasia, qual é o seu papel? Você pode ser um fantasma que atravessa paredes, ser anão ou ser gigante, um menino prodígio que decorou bem o texto, a criança ingênua que confiou na bruxa, uma sex symbol a espera do seu Cowboy: FAZ DE CONTA QUE NÃO DÓI.


Martha Medeiros


A PESSOA ERRADA
















*

Pensando bem em tudo o que a gente vê e vivencia
e ouve e pensa, não existe uma pessoa certa pra gente.
Existe uma pessoa que se você for parar pra pensar é, na verdade, a pessoa errada.
Porque a pessoa certa faz tudo certinho!
Chega na hora certa, fala as coisas certas,
faz as coisas certas, mas nem sempre a gente tá precisando das coisas certas.
Aí é a hora de procurar a pessoa errada.
A pessoa errada te faz perder a cabeça, perder a hora, morrer de amor...
A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar
que é pra na hora que vocês se encontrarem
a entrega ser muito mais verdadeira.
A pessoa errada, é na verdade, aquilo que a gente chama de pessoa certa.
Essa pessoa vai te fazer chorar, mas uma hora depois vai estar enxugando suas lágrimas.
Essa pessoa vai tirar seu sono.
Essa pessoa talvez te magoe e depois te enche de mimos pedindo seu perdão.
Essa pessoa pode não estar 100% do tempo ao seu lado, mas vai estar 100% da vida dela esperando você.
Vai estar o tempo todo pensando em você.
A pessoa errada tem que aparecer pra todo mundo,
porque a vida não é certa.
Nada aqui é certo!
O que é certo mesmo, é que temos que viver cada momento, cada segundo, amando, sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo,
querendo,conseguindo...
E só assim, é possível chegar àquele momento do dia em que a gente diz: "Graças à Deus deu tudo certo"
Quando na verdade, tudo o que Ele quer é que a gente encontre a pessoa errada pra que as coisas comecem a realmente funcionar direito pra
gente...

Luis Fernando veríssimo